sábado, 28 de fevereiro de 2009

FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Fisiologia do Exercício -
1. CONCEITO

A fisiologia do exercício desenvolveu-se a partir de sua disciplina mãe, a fisiologia. Pode ser definida como a área do conhecimento científico que estuda como o organismo se adapta fisiologicamente ao estresse agudo do exercício, isto é, à atividade física e também ao estresse crônico do treinamento físico (WILMORE & COSTILL, 2001).
MARGARIA (1976) considera estudar a fisiologia do exercício como uma “forma de estudar a fisiologia humana com lentes de aumento”. Para ele a fisiologia do exercício não deve ser objeto de estudo somente para os cientistas da área, mas deve também fazer parte da formação de pessoas em vários outros campos do conhecimento, em função de sua aplicação prática.

2. HISTÓRICO

Os efeitos da atividade física regular sobre os sistemas fisiológicos humanos já são conhecidos desde 1850 e, em 1881, Jules Arnould já discutia o que então chamava de “efeitos sanitários” da atividade física (PINTO, 1996).
A primeira publicação na área de fisiologia do exercício foi de autoria de Fernand LaGrange, publicado em 1889 com o título “Physiolology of Bodily Exercise” na qual já discutia conceitos básicos do metabolismo energético durante o exercício (WILMORE & COSTILL, 2001).
Três cientistas foram premiados com seus trabalhos sobre o metabolismo celular durante o exercício. Archibald V. Hill, da Inglaterra, recebeu em 1921 premiação por seu trabalho sobre metabolismo e energia, tendo sido o autor do termo “consumo máximo de oxigênio”. August Krogh, da Dinamarca, recebeu Prêmio Nobel por seus estudos sobre as funções da circulação capilar, e o alemão Meyerhof destacou-se por seus trabalhos sobre o metabolismo da glicose (POWERS & HOWLEY, 1994; McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).
Um dos mais importantes laboratórios de fisiologia do exercício do mundo, o Harvard Fatigue Laboratory (HFL), foi criado em 1927 nos EUA, cujo foco inicial de pesquisa foi o estudo do estresse ambiental sobre a fisiologia do homem em movimento (WILMORE & COSTILL, 2001). Foi coordenado durante seus primeiros 20 anos de existência (de 1927 a 1947) pelo bioquímico da Stanford University, David Bruce Dill.
Os trabalhos sobre fisiologia do exercício e fisiologia ambiental produzidos pelo HFL constituem a base dos conhecimentos atuais nesta área, tendo sido este laboratório, modelo para a criação de vários outros na área de fisiologia do exercício em todo o mundo, incluindo o Brasil (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).

3. MECANISMOS DA CONTRAÇÃO MUSCULAR

“...mover coisas é tudo o que a espécie humana pode
fazer... Para tal o executante solista é o músculo, seja
para soletrar uma sílaba, seja para derrubar uma
floresta”
Charles Sherrington, 1924

Assim como os neurônios, as células musculares podem ser excitadas por estímulos químicos, elétricos ou mecânicos, gerando como resposta, um potencial de ação que se propaga ao longo de sua membrana celular. Entretanto, possuem um mecanismo contrátil que é ativado pelo potencial de ação, o que já não podemos observar nos neurônios (GANONG, 1995).
Os músculos esqueléticos são compostos de grupos de células alongadas e multinucleadas chamadas fibras musculares. Estas contém feixes longitudinais de miofibrilas que contraem em resposta a um estímulo neural ou elétrico. As miofibrilas consistem de repetidas unidades cilíndricas, chamadas sarcômeros, separados por discos Z. As miofibrilas são envoltas por uma estrutura plana, similar a um saco chamada retículo sarcoplasmático. As miofibrilas são unidas intimamente pelos túbulos transversos – túbulos T, que são formados por pequenas invaginações da membrana muscular. Os sarcômeros representam a menor unidade contrátil do músculo esquelético, sendo formados por filamentos finos e filamentos grossos. Os filamentos finos são discontínuos e se ligam aos discos Z em uma das extremidades, já os filamentos grossos estão no centro do sarcômero, interdigitados entre os filamentos finos. Os filamentos finos têm como principal constituinte pares de monômeros polimerizados de actina, dispostos na forma de hélice. Contém ainda dois outros tipos de proteínas, a tropomiosina e a troponina. Os filamentos grossos são formados por cerca de 250 moléculas de miosina. Cada molécula de miosina possui dois filamentos entrelaçados com cerca de 150 nm de comprimento e uma cabeça globular dupla. Estas “cabeças” de miosina contém ATPase (DESPOPOULOS & SILBERNAGL, 1991).
Em 1954 HUXLEY e HUXLEY propuseram a teoria do deslizamento dos filamentos , segundo a qual, a contração muscular seria resultado de interações cíclicas entre os filamentos finos ou de actina e os filamentos grossos ou de miosina ( KANDEL & SCWARTZ, 1985). De acordo com esta teoria , durante a contração muscular as cabeças glomerulares das moléculas de miosina ligam-se a sítios receptores nas moléculas de actina, formando as pontes cruzadas entre os filamentos finos e os grossos. As cabeças de miosina passam por alterações conformacionais que exercem uma força puxando os filamentos de actina. Finalmente, as cabeças de miosina se soltam e o ciclo começa novamente (DESPOPOULOS & SILBERNAGL, 1991).
De acordo com KANDEL & SCHWARTZ (1985), a contração é iniciada pela despolarização da fibra muscular. Quando um potencial de ação em um axônio motor alcança a junção neuromuscular é gerado um potencial de placa terminal, o qual por sua vez desencadeia um potencial de ação na fibra muscular. Este potencial de ação é propagado rapidamente sobre a superfície da fibra e conduzido para dentro da fibra muscular através do sistema de túbulos T. O sistema de túbulos T assegura que a contração que se segue a um potencial de ação isolado, chamado abalo muscular se propague ao longo de toda a fibra. A despolarização propagada faz com que o Ca2+ seja liberado do retículo sarcoplasmático, onde o Ca2+ é normalmente sequestrado para o espaço intracelular da fibra muscular, o qual contém os filamentos de actina e miosina. A despolarização do sistema de túbulos T age em canais especializados nas cisternas terminais, localizadas na membrana do retículo sarcoplasmático. Estes canais, sensíveis à voltagem, fazem com que o Ca2+ seja liberado por toda a membrana do retículo sarcoplasmático. Posteriormente, quando o músculo relaxa, o Ca2+ é bombardeado para fora do espaço intracelular e volta para dentro do retículo sarcoplasmático.

3.1 Ações reflexas

O arco reflexo é a mais básica das atividades nervosas integradas. É formado por um órgão sensorial, um neurônio aferente, uma ou mais sinapses num orgão de integração , um neurônio eferente e um efetor. Nos mamíferos, esta conexão entre as vias aferentes e eferentes se dá geralmente no encéfalo ou na medula espinhal . As fibras aferentes entram por via das raízes dorsais e os neurônios eferentes emergem através das raízes ventrais da medula. Este princípio de que na medula espinhal as raízes dorsais são sensitivas e as raízes ventrais são motoras, recebe o nome de lei de Bell-Magendie (GANONG, 1995).
A atividade no arco refelexo é iniciada em um receptor sensorial, a partir de um potencial gerador cuja magnitude depende da intensidade do estímulo. Como consequência, são gerados potenciais de ação (tudo ou nada) na fibra aferente. A quantidade destes potenciais de ação é proporcional ao potencial gerador (DESPOPOULOS & SILBERNAGL).
O arco reflexo mais simples é aquele que apresenta apenas uma sinapse entre os neurônios aferentes e os eferentes. São pois, monossinápticos. Os arcos reflexos polissinápticos são aqueles nos quais existem um ou mais interneurônios entre as fibras aferentes e as fibras eferentes. Neste caso, o número de sinapses nos arcos pode variar de duas a muitas centenas (CARPENTER, 1997). O reflexo de retirada é um reflexo tipicamente polissináptico, e ocorre geralmente em resposta a um estímulo nocivo (normalmente associado com dor).
Tanto nos arcos reflexos monossinápticos, quanto nos polissinápticos, a atividade pode ser modificada por facilitação espacial e temporal, por oclusão e outros efeitos (GANONG, 1995).
3.2 Motricidade – Córtex Motor

A atividade motora somática depende do padrão e da frequência de descarga dos motoneurônios medulares e dos neurônios homólogos nos núcleos motores dos nervos cranianos (GANONG, 1995).
Embora muita coisa acerca do controle do movimento voluntário ainda seja desconhecida, existem evidências consideráveis para se aceitar o seguinte esquema motor mostrado na fig 1:

Figura 1 – Controle neural do movimento voluntário












De acordo com o esquema motor apresentado, os comandos para o movimento voluntário se originam nas áreas de associação cortical. Os movimentos são então planejados no córtex , nos gânglios da base e também nas porções laterais dos hemisférios do cerebelo. Através do tálamo, o cerebelo e os gânglios da base transmitem a informação para o córtex motor e pré-motor. Os comandos motores do córtex motor são transmitidos através dos tratos córtico-espinhais e tratos córtico-bulbares . O movimento inicia alterações nas informações sensoriais que chegam dos músculos, tendões, articulações e da pele. Essa retroalimentação que ajusta e suaviza o movimento, é enviada diretamente ao córtex motor e ao espinocerebelo, que se projeta para o tronco cerebral (GANONG, 1995 e KANDEL e SCHWARTZ, 1985).


4. SISTEMA CARDIOVASCULAR E EXERCÍCIO

O sistema cardiovascular possui várias funções importantes em nosso organismo, as quais servem de suporte para outros sistemas fisiológicos. Podemos dividir de forma abreviada as principais funções do sistema cardiovascular em cinco diferentes categorias:

• Oferta
• Remoção
• Transporte
• Manutenção
• Prevenção

Para um melhor entendimento destas funções do sistema cardiovascular, podemos citar o seguinte exemplo: o sistema cardiovascular disponibiliza oxigênio e nutrientes para e remove dióxido de carbono e metabólitos do metabolismo celular de cada célula de nosso organismo. Transporta hormônios das glândulas endócrinas para os receptores alvo. O sistema cardiovascular participa da manutenção da temperatura corporal e também do equilíbrio ácido-básico. É também papel do sistema cardiovascular manter os líquidos corporais em níveis adequados de forma a prevenir a desidratação (WILMORE & COSTILL, 2001). O entendimento destas funções é de fundamental importância para a compreensão das bases fisiológicas da atividade física.
Para se estudar as adaptações do sistema cardiovascular ao exercício, é necessário que se divida didaticamente estas respostas em agudas e crônicas.
Por adaptações agudas, entendemos aquelas causadas pelo estresse agudo do exercício, isto é, pela atividade física. Já as adaptações crônicas são aquelas que ocorrem em resposta ao estresse crônico do treinamento físico. Serão estudadas as respostas agudas das seguintes variáveis :
• Freqüência cardíaca (FC)
• Volume de Ejeção
• Débito cardíaco (Q)
• Pressão Arterial (PAS/PAD)


4.1 Frequência Cardíaca (FC)

Durante o exercício, a demanda de oxigênio nos músculos em atividade aumenta de forma acentuada. São também utilizados mais nutrientes e, com isso os processos metabólicos são acelerados produzindo também uma maior quantidade de metabólitos (POWERS & HOWLEY, 1994; WILMORE & COSTILL, 2001). Pode-se também observar durante o exercício , uma elevação da temperatura corporal, principalmente se o mesmo estiver sendo realizado por um período de tempo prolongado ou sob condições de temperatura ambiente elevada (SOARES, 1993). Em exercícios intensos, nos quais há um aumento da concentração de íons hidrogênio, verifica-se uma redução do pH sanguíneo e tecidual, tornando o meio mais ácido (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).
A frequência cardíaca reflete a quantidade de trabalho que o coração deve realizar para atender as demandas aumentadas do organismo quando em atividade física (McARDLE, KATCH & KATCH, 1994). Isto torna-se bastante claro, quando comparamos a FC durante o repouso e durante o exercício.
A FC de repouso varia em média de 60 a 80 bpm sofrendo influências da idade, do nível de condicionamento físico e também das condições ambientais. A FC de repouso sofre reduções com o avançar da idade, é menor em indivíduos melhor condicionados aerobiamente e é aumentada em ambientes com temperaturas e altitudes elevadas.
Antes mesmo de iniciar uma sessão de exercícios físicos, a FC pré-exercício já se eleva para níveis significativamente mais altos do que os de repouso. Isto é chamado de resposta antecipatória ou pré alimentação. Esta resposta é mediada pelo neurotransmissor noradrenalina liberado pelo sistema nervoso simpático e pela adrenalina liberada pelas glândulas supra-renais. Há também uma diminuição no tônus parassimpático (BERNE & LEVY,1992; WILMORE & COSTILL, 2001).
Quando o exercício é iniciado, a frequência cardíaca aumenta rapidamente em função do aumento da intensidade do mesmo (fig.2), a qual pode ser representada pelo consumo de oxigênio. A FC aumenta diretamente com o aumento da intensidade do esforço, até que o indivíduo esteja próximo dos limites da exaustão. A medida que estes limites se aproximam, a FC tende a estabilizar, indicando que a FC máxima está sendo alcançada.
A FC máxima (Fc máx.)é considerada a maior frequência cardíaca atingida durante a realização de um esforço máximo até a exaustão (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).

Figura 2 – Frequência cardíaca e intensidade de exercício (VO2)



A FC máx permanece praticamente constante, variando ligeiramente a cada ano. A FC máx. pode ser estimada tomando como base a idade do indivíduo, uma vez que a mesma decresce de maneira estável ( cerca de 1bpm a cada ano) a partir dos 10 aos 15 anos de idade (WILMORE & COSTILL, 2001). A FC máx. pode ser estimada utilizando a seguinte equação:

FC máx. = 220 – idade (em anos) (ACSM, 2000)

Durante a realização de exercícios submáximos, nos quais a intensidade de esforço é mantida constante, a FC eleva-se rapidamente nos estágios iniciais até que um nível estável, ou seja um platô seja alcançado. A FC neste platô é entendida como a frequência cardíaca do estado de equilíbrio, a qual pode ser considerada aquela ideal para alcançar as demandas circulatórias para este nível específico de intensidade de esforço.
Entretanto quando o exercício de intensidade submáxima e constante é realizado por um período de tempo prolongado, especialmente sob condições ambientais de temperatura elevada, a FC tende a se elevar ao invés de se manter em níveis estáveis (SOARES, 1993).

4.2 Volume de ejeção sistólico

Assim como ocorre com a FC, o volume de ejeção também se modifica durante o exercício, de modo a permitir que o coração trabalhe de forma mais eficiente. O volume de ejeção é determinado por quatro fatores: o volume de sangue venoso que retorna ao coração, a distensibilidade ventricular, a contratilidade ventricular e apressão nas artérias aorta ou pulmonar (WILMORE & COSTILL, 2001). Podemos considerar que os dois primeiros fatores determinam a capacidade de enchimento do ventrículo, e os dois últimos fatores influenciam a capacidade de esvaziamento do ventrículo, determinando a força com a qual o sangue é ejetado e a pressão contra a qual este deve fluir nas artérias (BERNE & LEVY, 1992). Estes quatro fatores controlam diretamente a resposta do volume de ejeção à intensidade de esforço durante o exercício (fig.3).

Figura 3 – Volume de ejeção e intensidade de exercício (VO2)


O volume de ejeção aumenta para valores superiores aos de repouso durante o exercício. Este aumento do volume de ejeção durante o esforço se dá de maneira paralela ao aumento na intensidade do exercício. Entretanto, quando a intensidade de esforço se encontra na faixa entre 40 a 60% da capacidade individual máxima, o volume de ejeção sistólico tende a se estabilizar, como mostrado na figura 3.
Essencialmente, podemos considerar que o volume de ejeção é controlado por dois mecanismos fisiológicos. O primeiro, intrínseco ao miocárdio, requer que haja um aumento no enchimento cardíaco, o que resultaria em uma maior força de contração. Já o segundo mecanismo estaria sob influência neurohormonal, envolvendo um enchimento ventricular normal, porém acompanhado por uma ejeção mais forte, gerando um maior esvaziamento cardíaco (McARDLE, KATCH & KATCH, 1994).

4.2.1 Lei de Frank-Starling

Qualquer fator que aumente o retorno venoso ou que diminua a frequência cardíaca leva a um maior enchimento do ventrículo durante a fase diastólica do ciclo cardíaco. Este aumento no volume diastólico final distende as fibras do miocárdio , desencadeando uma ejeção mais potente durante a contração cardíaca . Desta maneira, o volume de ejeção normal é ejetado, juntamente com o volume adicional de sangue que entrou nos ventrículos e distendeu o miocárdio. Isto é explicado pela lei de Frank-Starling, a qual estabelece que o principal fator controlador do volume de ejeção é o nível de distensibilidade do ventrículo. Quanto maior for a distensão das fibras do ventrículo, maior será a força de contração do mesmo (BERNE & LEVY, 1992).
Entretanto, se a contratilidade do ventrículo for maior, o volume de ejeção pode também aumentar sem que haja um aumento no volume diastólico final. Existem sugestões de que em intensidades mais baixas de exercício, o principal mecanismo de aumento do volume de ejeção seja o de Frank-Starling e, que em intensidades mais elevadas , este aumento se dê fundamentalmente em função de uma maior contratilidade ventrícular, a qual pode ser indicada por uma diminuição do volume sistólico final no ventrículo esquerdo, representando um maior esvaziamento cardíaco (POWERS & HOWLEY, 1994; WILMORE & COSTILL, 2001).

4.3 Débito Cardíaco (Q)

O débito cardíaco é a quantidade de sangue bombeada pelo coração a cada minuto e, pode ser alterado mopdificando-se tanto a frequência dos batimentos (FC), quanto o volume ejetado a cada contração (volume de ejeção). Desta maneira, podemos definir o débito cardíaco como um produto da frequência cardíaca e do volume de ejeção.
Q = FC X Vol. ejeção
Uma vez que o débito cardíaco é uma função tanto da FC quanto do volume de ejeção, torna-se evidente que durante o exercício o Q aumente em função do aumento da intensidade mesmo (fig. 4), na tentativa de atender as demandas aumentadas de oxigênio pelos músculos em atividade.
Em repouso, o débito cardíaco é de aproximadamente 5 L.min-1, aumentando com a intensidade do esforço para valores entre 20 a 40 L.min-1. Estes valores variam em função da dimensão corporal e do nível de condicionamento aeróbio.
Parece não existir conflito na literatura quanto ao papel diferenciado da FC e do volume de ejeção no aumento do Q durante o exercício. Nas fases iniciais do exercício, o aumento do Q cardíaco se dá em função do aumento tanto da FC quanto do volume de ejeção. Entretanto, quando a intensidade do exercício supera a faixa dos 40 a 60% da capacidade individual máxima, o aumento do Q deve-se principalmente a um aumento na FC, uma vez que nestas intensidades de esforço espera-se que o volume de ejeção já esteja se estabilizando ou aumentando apenas discretamente (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003; POLLOCK e WILMORE, 1993; POWERS & HOWLEY, 1994 ; WILMORE & COSTILL, 2001).

Figura 4 - Débito Cardíaco e intensidade de exercício (VO2)



A distribuição do fluxo sanguíneo modifica-se significativamente quando um indivíduo sai de uma situação de repouso para uma de exercício. Ocorre uma redistribuição do débito cardíaco, sob ação do sistema nervoso simpático, redirecionando um maior volume sanguíneo para áreas mais ativas durante o exercício em detrimento de um menor volume para as menos essenciais. Fazendo uma análise quantitativa, podemos verificar que durante o repouso, somente cerca de 15 a 20% do Q vai para a musculatura esquelética, contrastando-se com o exercício exaustivo, durante o qual cerca de 80 a 85% do Q é direcionado para os músculos ativos. Esta redistribuição se dá muito em função de uma redução do aporte sanguíneo para os rins, fígado, estômago e intestinos durante o exercício (GANONG, 1995; McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).
Outro fator que também modifica a distribuição do fluxo sanguíneo duranteo exercício é a condição ambiental na qual este exercício está sendo realizado. Tem sido demonstrado que temperaturas ambientes elevadas, combinadas ou não com uma umidade relativa do ar alta, podem modificar o desempenho físico, principalmente em esforços de longa duração (PANDOLF, SAWKA & GONZALEZ, 1988).
A dissipação de calor pelo nosso organismo em ambientes quentes depende principalmente da evaporação de suor na pele, e também da circulação cutânea, pois o sangue é responsável pelo transporte de calor dos músculos até a superfície do corpo. Durante o exercício, além de participar dos processos de transferência de calor, nosso sistema cardiovascular deve responder adequadamente à demanda de oxigênio para a musculatura ativa. Daí, o conceito de existir uma competição de fluxo sanguíneo para a pele e para os músculos ativos durante o exercício, principalmente quando o exercício é realizado em ambientes quentes, impondo uma sobrecarga ao sistema cardiovascular. A demanda termorregulatória de fluxo sanguíneo para a pele durante o exercício em ambientes quentes é alcançada graças a uma redistribuição regional do fluxo de sangue (SOARES, 1993).

4.4 Pressão arterial (PAS e PAD)

A cada contração ventricular, uma dada quantidade de sangue entra na artéria aorta, distendendo o vaso e criando assim uma pressão dentro da mesma. A distensão e o recolhimento das paredes do vaso se propagam como uma onda ao longo de todo o sistema arterial. Durante o repouso, a maior pressão que é gerada pelo coração, com o intuito de levar o sangue por todo o sistema vascular, é de cerca de 120 mm Hg (em indivíduos sadios) durante a contração do ventrículo esquerdo ou sístole (BERNE & LEVY, 1992).
Á medida que o coração relaxa, e consequentemente ocorre o fechamento da válvula aórtica, o recolhimento elástico natural da aorta e de outras artérias faz com que uma pressão contínua seja mantida, garantino um fluxo sanguíneo estável por toda a periferia, até que uma nova sístole ocorra. Durante esta fase de relaxamento ou de diástole do ciclo cardíaco, a pressão sanguínea no sistema arterial cai para valores de cerca de 70 a 80 mmHg (em indivíduos sadios) (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).
A pressão arterial pode também ser entendida como um produto do débito cardíaco pela resistência periférica total. O que representa a força exercida pelo sangue contra as paredes das artérias durante o ciclo cardíaco, sendo pois descrita de acordo com a fase do ciclo cardíaco como pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica.
Durante o exercício, as respostas da pressão arterial sistólica e a diastólica são bastante distintas (figs 5 e 6).

Figura 5 – Pressão arterial sistólica durante o exercício


Figura 6 – Pressão arterial diastólica durante o exercício


Em exercícios de característica aeróbia, envolvendo grandes grupos musculares, a pressão arterial sistólica aumenta em proporção direta com o aumento da intensidade do esforço (fig. 5), podendo exceder 200 mm Hg no momento da exaustão. Este aumento da PAS é resultante do aumento do débito cardíaco que acompanha os aumentos na intensidade do exercício e proporciona um fluxo rápido do sangue através da vasculatura. A pressão arterial determina também quanto de líquido deve sair dos capilares para entrar nos tecidos, levando consigo os nutrientes necessários para a atividade sendo realizada. Desta maneira, podemos assumir que o aumento da pressão arterial sistólica é necessário e, auxilia no processo de oferta de nutrientes pelo sistema cardiovascular (WILMORE & COSTILL, 2001).
Já a pressão arterial diastólica praticamente não se altera durante o exercício, mais especificamente durante os exercícios aeróbios, independentemente da intensidade do mesmo (fig. 6). A pressão arterial diastólica reflete a pressão nas artérias quando o coração está em “repouso” e, não se espera que durante o exercício, qualquer fator altere a pressão arterial durante a fase de relaxamento, ou seja durante a diástole.
Durante o exercício, aumentos de cerca de 15 mm Hg ou mais na PAD são considerados como respostas anormais e podem ser entendidas como um dos sinais para se interromper, por exemplo, uma avaliação ergométrica. (ACSM, 2000).
As respostas da pressão arterial (PAS e PAD) aos exercícios de resistência, tais como levantamento de peso, são bem diferentes daquelas observadas durante os exercícios aeróbios. Durante exercícios de resistência de alta intensidade, a pressão arterial pode exceder valores de 480/350 mm Hg e, nestes tipos de exercícios, é muito comum a utilização da manobra de Valsalva. A manobra de Valsalva ocorre quando a pessoa tenta exalar o ar enquanto a boca, o nariz e a glote estão fechados. Isto causa um aumento exagerado na pressão intra-torácica, fazendo com que grande parte do aumento da pressão arterial se dê na tentativa do organismo de suplantar a elevada pressão interna causada pela manobra (WILMORE & COSTILL, 2001).

5. SISTEMA RESPIRATÓRIO E EXERCÍCIO

5.1 Estrurura e função pulmonar - volumes e capacidades pulmonares

Os volumes fisiológicos variam com a idade, gênero e dimensões corporais (estatura). São divididos em estáticos e dinâmicos. Os estáticos são o volume corrente, o volume de reserva ispiratório, o volume de reserva expiratório, a capacidade vital forçada, o volume pulmonar residual, a capacidade pulmonar total e a capacidade residual funcional. O volume expiratório forçadoe sua relação com a capacidade vital forçada dão uma dimensão dinâmica destes volumes e capacidades pulmonares (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).
O volume corrente (VC) é o volume de ar movimentado durante tanto a fase inspiratória quanto a fase expiratória de cada incursão respiratória. Em repouso varia de 0,4 a 1,0 L. O volume de reserva inspiratório (VRI) é o volume adicional de cerca de 2,5 a 3,5 L acima do ar corrente inspirado. Já o volume de reserva expiratório (VRE) oscila entre 1,0 a 1,5 L para um indivíduo de porte médio (POWERS & HOWLEY, 1994).
Durante o exercício, a extrapolação dos volumes de reserva, tanto inspiratório quanto expiratório, permite um aumento significativo no volume corrente.
A capacidade vital forçada (CVF) é o volume total de ar que pode ser movimentado voluntariamente em cada incursão respiratória  VC + VRI + VRE. A CVF varia principalmente em função da dimensão corporal, apresentando valores médios de 4 a 5 L para homens jovens sadios e 3 a 4 L em mulheres jovem sadias (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).
Cabe salientar, que os volumes pulmonares estáticos não podem ser modificados num grau significativo pelo treinamento com exercícios (WILMORE & COSTILL, 2001).
O volume pulmonar residual (VPR) é o volume de ar que permanece nos pulmões após uma expiração completa. Varia entre 0,8 e 1,2 L para mulheres e entre 0,9 e 1,4 para homens.
Tem-se verificado, que com o envelhecimento ocorre uma queda nos volumes de reserva expiratório e inspiratório e uma elevação no volume pulmonar residual, em função da redução nos componentes elásticos do tecido pulmonar, observado com o envelhecimento, mas que pode ser atenuada pelo treinamento aeróbio regular (BOUCHARD, SHEPHARD & STEPHENS, 1994).
A capacidade pulmonar total (CPT) é a somatória do volume pulmonar residual (VPR) com a capacidade vital forçada (CVF). Em homens é de aproximadamente 6L, e em mulheres cerca de 4,2 L.
Os volumes e capacidades pulmonares dinâmicos estão relacionados ao “volume de ejeção” máximo dos pulmões, ou seja, a capacidade vital e também com a velocidade com que esse volume pode ser movimentado (frequência respiratória).
A relação entre o VEF e a CVF é determinada pelo percentual da CVF que pode ser expirado em 1 segundo. Ë simbolizado por VEF 1,0/CVF. De uma maeira geral, cerca de 85% da CV pode ser expelido em 1 segundo. Quando se obtém resultados de menos de 70% da CV expelida em 1 segundo, tem-se um indicativo de que há obstrução das vias aéreas (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).
5.2 – Regulação da ventilação Pulmonar

Em repouso a ventilação minuto (VE), ou seja, o volume de ar respirado a cada minuto, é de cerca 6L.min-1 . A VE é produto da frequência respiratória e do volume corrente:

VE = Frequência respiratória X Volume corrente
6L.min-1 = 12 (incursões respiratórias.min-1) X 0,5 L

O aumento na VE se dá tanto por aumentos na frequência respiratória, quanto também por aumentos na profundidade (volume corrente) da respiração. Durante o exercício intenso, a frequência respiratória e o volume corrente aumentam significativamente, de tal forma que a VE pode alcançar valores superiores a 100 L.min-1. Um outro ponto importante, é que o volume corrente raramente ultrapassa os 55 a 65% da capacidade vital dos indivíduos, quer sejam treinados ou destreinados (POLLOCK e WILMORE, 1993).
A regulação da ventilação pulmonar se dá de tal maneira, que a frequência e a profundidade da ventilação estão intimamente ajustadas em função das necessidades metabólicas individuais. Este controle ventilatório comporta tanto fatores neurais como químicos e humorais, como pode ser observado na fig. 7.
O ciclo respiratório normal, é consequência da atividade dos neurônios do bulbo. A ventilação é controlada por vários circuitos neurais que recebem informações provenientes dos centros superiores cerebrais, dos pulmões e também de outros sensores em todo o nosso organismo. Muito importante também para o controle da ventilação é o estado químico e gasoso do sangue que banha a medula e os quimioreceptores, localizados nas artérias carótida e aorta (McARDLE, KATCH & KATCH, 1994).
Em repouso, fatores químicos agem diretamente sobre o centro respiratório, ou de maneira reflexa modificam sua atividade, através dos quimioreceptores, para controlar a ventilação alveolar. Dentre estes fatores, um dos mais determinantes é o nível arterial da pressão de CO2 , Pco2 , e a acidez (WILMORE & COSTILL, 2001). Uma queda na pressão arterial de oxigênio irá também modificar o padrão respiratório.
Durante a hiperventilação, verifica-se um diminuição significativa na Pco2 e também na concentração de íons H+. Isto faz com que o tempo de apnéia seja prolongado, até que níveis normais de acidez e de dióxido de carono sejam restaurados. Embora tenha sido uma prática muito comum dentre os nadadores, a apnéia prolongada, através da hiperventilação prolongada, não deve ser praticada durante o mergulho, pois as consequências podem ser fatais (POWERS & HOWLEY, 1994).

Figura 7 – Mecanismos para o controle da ventilação

Adaptada de McARDLE, KATCH & KATCH, 1994 , pág 225

5.2 – Regulação da ventilação durante o exercício

Os ajustes da ventilação durante o exercício não resultam de um único fator mas sim, da combinação de vários estímulos químicos e neurais que podem agir até mesmo simultaneamente.
Como já mostrado anteriomente, durante o exercício, particularmente durante o exercício intenso, a ventilação-minuto pode alcançar valores próximos ou mesmo superiores a 100 L.min-1. Este aumento é resultado tanto de aumentos na frequência respiratória quanto no volume corrente. O modelo do controle da ventilação durante o exercício pressupõe a integração de fatores neurogênicos, químicos e também da temperatura corporal. Segundo este modelo, estímulos neurogênicos, quer sejam corticais ou periféricos (músculos esqueléticos), são responsáveis pelo aumento abrupto inicial da ventilação no início do exercício. Após esta alteração inicial, a ventilação-minuto tende a se elevar gradualmente até um nível estável, suficiente para atender às demandas metabólicas. A partir de então, a regulação da ventilação é provavelmente mantida por estímulos centrais e químicos reflexos, fundamentalmente por aqueles fonecidos pela temperatura corporal, dióxido de carbono e íons hidrogênio (McARDLE, KATCH & KATCH, 2003).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. ACSM’s Guidelines for testing and prescription. Williams & Wilkins, Baltimore, 2000.
BERNE, R.M. and LEVY, M.N. Cardiovascular Physiology.6th. ed. Mosby, St. Loius, Mi, 1992.
BOUCHARD,C.; SHEPHARD,R.J. and STEPHENS,T. (eds.) Physical Activity, Fitness, and Health. Human Kinetics, Champaign, IL, 1994.
CARPENTER, R. H. S. Neurophysiology. 3rd. edition, Arnold, London, 1997, 308 p.
DESPOPOULOS, A. and SILBERNAGL, S. Color Atlas of Physiology. 4th. edition, Thieme Medical Publishers, N.Y., 1991, 369 p.
GANONG,W. F. Review of Medical Physiology. 17th. edition, Prentice Hall International, 1995, 781 p.
KANDEL, E. R. and SCHWARTZ, J. H. Principles of Neural Science. 2nd edition, Elsevier, N.Y., 1985, 979 p.
MARGARIA, R. Biomechanics and energetics of muscular exercise. Clarendon Press, Oxford , 1976.
McARDLE, W.D., KATCH, F.I., KATCH, V.L. Essentials of Exercise Physiology. Lea & Febiger, Philadelphia, 2003
McARDLE, W.D., KATCH, F.I., KATCH, V.L. Fisiologia do Exercício - Energia, nutrição e desempenho humano. 3a. ed., Interamericana, Rio de Janeiro, 2003.
PANDOLF, K.B., SAWKA, M.N. and GONZALEZ, R.R. Human Performance Physiology and Environmental Medicine at Terrestrial Extremes. Benchmark Press, Indianapolis, 1988.
PINTO, K.M.C. Efeitos da ingestão de água a 10, 24 e 38º C sobre os ajustes termorregulatórios durante 60 miinutos de repouso e exercício a 60% da potência aeróbia máxima, em seres humanos. Belo Horizonte: Escola de Educação Física da UFMG, 1996.129 p. (Dissertação, Mestrado em Treinamento Esportivo).
POLLOCK, M.L. e WILMORE, J.H. Exercícios na Saúde e na Doença. 2. ed., Medsi, Rio de Janeiro, 1993.
POWERS, S.K. and HOWLEY, E.T. Exercise physiology: Theory and application to fitness and performance. 2a ed. WCB Brown & Benchmark, Indianapolis, 1994.
SOARES, D.D. Efeitos da elevação da temperatura interna sobre o tempo total de exercício, a percepção subjetiva do esforço e as respostas termorregulatórias durante exercício submáximo realizado em ambiente termoneutro. Belo Horizonte: Escola de Educação Física da UFMG, 1993.187 p. (Dissertação, Mestrado em Treinamento Esportivo).
WILMORE, J.H. & COSTILL, D.L. Physiology of Sport and Exercise. Human Kinetics, Champaign, 2001.